Por Ana Luiza Braga
Nós seres humanos somos dotados de todo um complexo neurológico que nos permite estar no mundo e agir sobre ele. Ao longo da evolução da nossa espécie, algumas partes do nosso cérebro foi se desenvolvendo e ganhando importância para a nossa sobrevivência. Dentre elas o sistema límbico, conhecido como nosso “cérebro emocional”, ou seja, por seu enorme papel no processamento das nossas emoções.
Diante desse gigante e importante sistema, ao longo dos anos os cientistas vêm se dedicando a estudar para compreender melhor como os seres humanos processam e manifestam as emoções. Tais compreensões desses fenômenos são imprescindíveis para as ciências que se dedicam na aplicação sobre melhores formas de assimilação e regulação emocional (tais como a psicologia).
Na psicologia, costumamos nomear esse complexo neurológico -e a influência que ele sofre e afeta a condução e experiências de nossa vida- como saúde mental. Quanto maior a nossa capacidade de consciência e regulação emocional, maior a nossa percepção de bem-estar. Por isso, as pesquisas dedicadas aos nossos processos emocionais se fazem tão necessárias e de altíssima relevância. Afinal, permite que compreendamos o curso, funcionamento e bases de adoecimentos psicopatológicos (como a depressão, por exemplo). O poder de ação para tratamentos mais eficazes se tornam mais assertivos.
Um dos grandes achados sobre bem-estar e adoecimentos emocionais se refere a qualidade dos nossos relacionamentos. Um estudo longitudinal conduzido por cientistas de Harvard, vem encontrando, de forma consistente, resultados que indicam que quanto melhor e mais conectados os nossos relacionamentos, maior nossa percepção de felicidade. E, acredite se quiser, tudo indica que esses laços, quando bem nutridos, impactam positivamente em nossa saúde física.
Em nossos consultórios de psicologia, a exceção é referente as queixas que não se referem de alguma forma à relacionamentos. Neste caso, não me refiro somente aos afetivos amorosos, mas à nossa rede de afetos íntimos ao longo de nossa vida. Pensem comigo: a maioria dos sofrimentos percebidos tem como berço ou sofrem influência de experiências que nascem num contexto interacional (baixa autoestima, autocobrança excessiva, inseguranças, traumas…). A maioria das patologias psicológicas tem como causa um tripé chamado: bio-psico-social. Portanto, é notória a influência do contexto social que estamos inseridos em nosso aparato psíquico.
Considerando os pontos colocados acimas: a qualidade do vínculo afetivo como veículo de saúde mental e a consistente influência de aspectos relacionais nos adoecimentos, fica fácil pressupor que uma grande ferramenta de cuidado em saúde mental e percepção de qualidade de vida é a busca de construir melhores vínculos afetivos (ou melhores formas de engajamento com aqueles que já nos sãos importantes).
O mês de setembro é dedicado a prevenção ao suicídio e ao incentivo de práticas em cuidados com a saúde mental. Um movimento tão importante de conscientização sobre os processos de adoecimento emocionais e a importância de busca por cuidados qualificados. Por muitos anos (infelizmente ainda nos dias de hoje), os processos psicológicos foram negligenciados e considerados traços de personalidade como “fraqueza” ou até mesmo como falta de fé. E toda essa apropriação inadequada de significado ao adoecimento dificultou toda abertura para busca de tratamento. A consequência é a de aumento da gravidade dos casos e maior incidência de autoextermínio.
Portanto, o fortalecimento dessas discussões e desmistificação de todos os processos psicoemocionais são formas de diminuir estatísticas tão altas de pessoas passando por intensos sofrimentos emocionais sem tratamento adequado. Por isso, consideramos estas ações vinculadas ao setembro amarelo como altamente preciosas. Entendemos o quanto ainda é preciso ampliar todas essas medidas. Mas, já é um começo e uma oportunidade de conscientizar pessoas sobre a importância da saúde mental para a nossa vida.
E é nesse contexto que nossa reflexão se insere. Quanto mais pessoas conscientes e aptas a se tornarem rede de apoio, maior a eficácia em prevenir as tentativas (e concretizações) do autoextermínio. Entendendo que a grande parte de nossa construção de felicidade se dá a partir das nossas boas conexões afetivas, podemos tornar os nossos afetos como ferramenta de auxílio ou, até mesmo, como fonte de amparo.
Como seres sociais somos vulneráveis a qualidade das nossas relações. E esse espaço relacional tem um enorme potencial de nos adoecer ou nos curar. A cura e a busca de propósito através do amor tem peso infinito e duradouro. E, claro, sabemos que a nossa parceria afetiva amorosa é uma das relações que construímos como pilares em nossa vida. Logo, a boa qualidade da sua relação é um fator preventivo de adoecimentos. Quanto mais conexão e segurança afetiva, menor a probabilidade de adoecimento. E, mesmo que o adoecimento aconteça por outras variáveis externas à relação, a boa qualidade da mesma se torna fonte e auxílio no processo de tratamento. Não existe felicidade quando nos sentimos hostilizados por quem amamos tanto. Não existe bem-estar quando somos atravessados por uma ameaça de perda de um espaço tão precioso. A insegurança experienciada em relacionamentos pode ser altamente desestabilizadora.
Somos, portanto, potencial gigantesco de ser para quem amamos um espaço seguro de ajuda. Afinal, quanto mais abertos à ser abraço conectivo, maior as chances e a segurança de pedidos de ajuda. Além de sermos, potencial de prevenção de adoecimentos.
Desejo que saibamos cuidar e nutrir nossas relações para que não possamos sentir a dor avassaladora de perder quem amamos de uma forma tão brutal e dolorosa. Saibamos buscar informações para ser fonte de abraço sem julgamentos. Sejamos amparo, abraço, rede de apoio e lugar seguro. Acima de tudo, que possamos ser, a partir dos laços de amor, motivo para que uma vida valha a pena ser vivida.